sexta-feira, 24 de maio de 2019




A HISTÓRIA É FEITA DE RUPTURAS!





A perspectiva de que a história se desenrola em linha reta rumo a um estágio superior ao anterior, animou boa parte das doutrinas otimistas que o século XVIII e o XIX criaram.
Não raro, esses dois séculos avalizaram as iniciativas de rupturas de ordens políticas, sociais e econômicas quando elas fugiam de ideais, valores e crenças dominantes. Todos os grupos políticos que, desde então, tramaram contra a ordem apelavam para “metas que estariam acima de tudo”, ou algo do tipo do Sumo Bem. Assim, derrubar uma ordem como o Antigo regime absolutista ou a mais moderna República de Weimar se justificaria dado o fato de que essas ordens atentariam contra o Bem, seja por debilidade ou por excessos de poder.
O problema com essas iniciativas políticas surgia quando se tentava saber exatamente do que se tratava quando se falava na busca do Bem. O que é o Bem? E aí eram inúmeros e variados problemas, inclusive desejos e crenças místicas, mágicas, divinas, totalitárias, racistas, xenófobas e assim por diante. Conflitos entre elas, para saber qual doutrina era mais leal ao Bem.
Bom, todo historiador sabe que a ordem moderna surgiu na história a partir de uma profunda e intensa ruptura. Sem medo de errar: A única ordem política, social, econômica, cultural, que nasceu na história a partir de um plano definido, de uma orquestração, de um planejamento, de uma organização consciente, de um constructo, foi o capitalismo moderno. Uma ruptura consciente, mesmo que as mudanças profundas tivessem em curso, mas o rumo e a direção eram dados por grupos organizados e capazes de traçar metas e estratégias de implantação de uma nova ordem.
Não se precisa de grandes esforços interpretativos para se verificar que o escravismo antigo, feudalismo..., enfim, todo o nosso passado de diferentes ordens foi fruto rigorosamente do acaso. Não foram planos pré-definidos.
Se essa intelecção é verdadeira, então podemos dizer que todas as mudanças que presenciamos desde então estão baseadas em organizações e programas pré-definidos sobre que tipo de ordem se desejava ver no chão e qual deveria substituí-las.
Se o século XVIII foi o das ideias radicais sobre o ser humano e a sua sociedade, o XIX foi o das grandes revoluções. Sendo que a mais importantes delas, a revolução francesa, teve inicio no XVIII e atravessou o XIX. E foi justamente a revolução francesa, com os seus recuos e avanços, que mostrou na pratica como deveria operar os novos agentes sociais e políticos: mediante um visor que identificaria quais ordens estariam submetidas ao Sumo Bem. Em Weimar, a idéia era outra: todas crenças e valores poderiam viver dentro de um equilíbrio e uma isonomia de poder mas era uma democracia débil cuja única função era preparar o terreno para chocar o Ovo da Serpente!
No caso da modernidade, que tipo de ordem incentivaria ou obstacularizaria o dinamismo próprio de intermitentes mudanças e transformações nas atividades produtivas e nas crenças e valores das superestruturas?
A modernidade capitalista é a ordem da desordem, ensinou Marx. A ordem moderna só pode existir se mantiver ativado todos os seus mecanismos de auto-transformações e inovações tecnológicas. Inclusive aquelas, mais atuais, que tangem a modificações nas composições e estruturas genéticas do corpo humano e da natureza. A biotecnologia e a engenharia genética que produzem mais impactos em toda a história humana.
Logo, a ordem ideal para acomodar os princípios e valores modernos é paradoxalmente, a não-ordem, por definição. Ou seja, a necessidade da modernidade de se manter em permanente processo de transformações. Transformações que implodem inclusive com tudo aquilo que a própria modernidade ensina ao longo de seu desdobramento. A modernidade contém em seu interior um mecanismo de auto impulsão histórica que impede que essa ordem se estabilize e perca as energias necessárias para se manter enquanto tal. Ou seja, a modernidade é ela própria o seu dínamo quando faz de sua engrenagem o mecanismo de sua autocriação. A modernidade é a engenhoca mais espetacular da modernidade capitalista. 
É ela, a sua estrutura mental não permite a estabilização. A estabilização se mantém na agitação e na transformação constante. E hoje parece que as novas tecnologias e as redes sociais estão provocando tsunamis irreversíveis e assustadores. Até hoje éramos nós próprios, humanos, que provocávamos os abalos sísmicos na ordem moderna. Parece que os robôs e IAs encontraram meios de acelerar esse processo e manter a modernização em alta voltagem. Nada indica que os governos atuais consigam segurar ou controlar esses abalos, ou mudar essa atmosfera de espirito e expectativas insaciável pelo novo e pela mudança. 
Sergio Fonseca
Historiador